terça-feira, 30 de junho de 2009

Meu memorial de leitora

Há pessoas que entram em nossas vidas como anjos protetores, que se tornam referência em nossa vida, que mesmo que se rompa o contato, a impressão já causada não se dissolve jamais. A Professora Vera Lúcia foi uma dessas pessoas em minha vida. Quando a conheci, já cursava o último ano da graduação, um último ano que valeu por cinco. Com ela reaprendi a ser, a me conhecer, a entender como cheguei até ali. Foi ela quem me fez ver como me tornei leitora...
Aprendi a ler com Monteiro Lobato. É verdade. Meus primeiros textos foram lidos nos livros didáticos do Sítio-do-Pica-Pau-Amarelo. Era mágico ir desvendando os mistérios daquelas letras. Lembro que a professora não permitia que folheássemos o livro, não se podia passar para a leitura seguinte sem a permissão dela e ela raramente permitia. Assim, eu não via a hora de vencer a lição e poder descobrir a próxima aventura. Consigo lembrar-me das cores, dos desenhos, da textura do papel, do cheiro já velho do livro. Esse foi meu primeiro contato com o material impresso. Nunca, durante os primeiros anos de minha educação tive contato com outros livros, com histórias que não estivessem em um livro didático. Acho que nem sabia que existissem histórias só para crianças, livros só para crianças...
Quando terminei o primário e ingressei no colégio, minha mãe comprou meus primeiros livros: uma coleção de dicionários. Na falta de ter o que ler, lia os dicionários. Eram quatro livros de A a Z. Nunca cheguei ao Z.
O meu primeiro livro de verdade só li na sétima série. A professora levou alguns livros bem velhos, sem capa original, encapado com um papel pardo e com título escrito à mão, em letra cursiva, com caneta azul, nem o nome da autora aparecia na capa. O fato é que a professora entregou um livro daqueles para cada aluno e disse que deveríamos ler em casa. Pra minha sorte, em minha carteira veio parar Bisa Bia Bisa Bel da maravilhosa Ana Maria Machado, - em pensar que anos mais tarde tive a oportunidade de escutar da própria autora como nasceu a história que marcou minha vida como leitora – desse livro em diante nunca mais parei. Eu me lembro de cada detalhe da história, porque não era a Bel que viveu todas aquelas aventuras, era eu. Aprendi o que é viajar na leitura, entrar na história. Eu não sei se todos da minha turma leram o livro, só sei que aquela aula pra mim foi mágica, foi o princípio, foi a continuação...
Nas férias de 1990 tinha conseguido emprestado o livro Senhora de José de Alencar. Comecei a ler este livro umas três vezes sem progresso, não entendia nada e ficava buscando o significado das palavras no dicionário, não passava das primeiras páginas. Mas não podia admitir ter que devolver um livro sem ler. Então, deixei o dicionário de lado e tentei compreender o contexto – na época nem sabia que essa palavra existisse -, apaixonei-me pela história, quis ser uma Aurélia. Acabei lendo toda coleção de José de Alencar antes mesmo de terminar o Segundo Ano.
Nesta época o livro era meu refúgio.
O primeiro livro que ganhei foi aos 15 anos, de meu pai: Caleidoscópio, não me lembro quem era a autora – era mulher - , mas me lembro da história como se fosse um filme antigo em minha lembrança. Um dia cheguei em casa e minha irmã havia rasgado o livro todo. O segundo livro que ganhei foi do meu namorado – hoje meu marido - : O Alquimista de Paulo Coelho. Amei a história embora tenha sido o único livro de Paulo Coelho que eu tenha conseguido ler por completo. É engraçado ver que ganhei meus primeiros livros dos dois homens mais importantes de minha vida.
Certa vez eu estava conversando com a Professora Vera Lúcia, ela me dizia o quanto é importante que as crianças tenham contato com a literatura, desde a primeira infância, para que desenvolvam o hábito de ler, então eu comentei que não havia tido esse contato e que não entendia por que eu gostava tanto das histórias. Então ela me fez lembrar de um fato muito importante: durante toda minha infância tive minha avó e meu avô ao meu lado e essas duas pessoas - analfabetas – eram excelentes contadores de histórias...
Lembrei-me, então, da história do Petoldo, da Maria Cipó, da tratadora de porcos, além das histórias que eles diziam que eram reais, mas que falava de assombrações, lobisomem, avisos e presságios...Eu nunca havia pensado no fato de que ouvir histórias é tão prazeroso quanto lê-las...Eu tive esse privilégio...
Não tive tempo de agradecer aos meus avós a herança que me deixaram e hoje eu tento agradecer contando as história que eles me contavam para os meus filhos...
Espero que eles também se apaixonem por esse mundo de criação, imaginação, aventura, descoberta, prazer que uma boa leitura nos oferece.
Obrigada vó e vô. Obrigada Professora Vera por me fazer entender um pouquinho quem eu sou...